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O que descobrimos sobre Scorsese

Tem duas coisas que não costumo fazer: ler as críticas sobre uma exposição de arte antes de visita-la e comprar áudios-guias/ser acompanhada por monitores. A razão do segundo ponto é meramente teimosia (ou apego pela liberdade interpretativa). O que me interessa mesmo neste post é o primeiro ponto, que é onde eu quero chegar.

Não saber preliminarmente o que irá encontrar em uma mostra te dá dois caminhos: frustação ou surpresa. Quando saímos de casa para visitar “Scorsese – l’Exposition”, só buscamos nas nossas próprias referências desenhar o que encontraríamos na Cinémathèque Française, de Paris. Poderíamos ter nos frustrado com o conteúdo, e mesmo assim, teria valido o passeio – esta deve ser a graça. A verdade é que até mesmo meu marido, pesquisador da área, foi surpreendido com a forma com que a curadoria tratou o universo do diretor, e isso só foi possível porque estávamos "desavisados". Eu que não sou boba nem nada, o chamei pra explicar isso melhor...

Por Edson Burg

Para um fã desavisado ou alguém não tão íntimo da filmografia de Martin Scorsese, a exposição sobre o diretor norte-americano na Cinémathèque Française pode ser um tanto frustrante. Como comparativo, tematicamente ela é bem diferente daquela sobre Stanley Kubrick, levada ao Brasil no Museu da Imagem do e Som, em São Paulo, em 2013: no lugar de objetos de cena, figurinos e peças íntimas do diretor, a mostra dedicada a Scorsese se preocupa mais em analisar suas influências e fazer uma retrospectiva da concepção de seus filmes. Ou seja, quem foi esperando curiosidades ou itens raros não deve ter ficado tão satisfeito.

Cartaz da exposição

O que não desabona “Scorsese – L’Exposition”. Muito pelo contrário, aliás: o caminho proposto pelos curadores Kristina Jaspers e Nils Warnecke (da Cinemateca Alemã) surpreende quem, como eu se, se acha com um “quê” de especialista e já viu e reviu os filmes do diretor. Dividida em cinco partes temáticas, a exposição aborda desde a criação familiar do cineasta em Nova York e deixa claro como o pulso firme da cultura ítalo-americana e catolicismo dos Scorsese refletiu em várias de suas produções, como as noções de irmandade de “Caminhos Perigosos”, “Os Bons Companheiros” e “Touro Indomável”, até o poder maternal que reflete em “Alice Não Mora Mais Aqui” e “A Época da Inocência”. Vale ainda pela curiosidade de assistir “Italianamerican”, documentário feito pelo diretor em 1974 sobre a própria família.

A proposta de divisão temática, e não pela cronologia dos filmes, dá à exposição um caráter anacrônico e a possibilidade de ver como temas comuns se cruzam em filmes absolutamente distintos. Se o setor destinado à imagem da crucificação tem uma referência óbvia em “A Última Tentação de Cristo”, é interessante ver as rimas visuais e narrativas deste longa com, por exemplo, “Cabo do Medo”. Ou ainda como o cenário preferido de Scorsese, a cidade de Nova York, ganha abordagens distintas em “Taxi Driver”, “Gangues de Nova York” e “O Lobo de Wall Street”.

Cena de "Cabo do Medo"

Outro trunfo de “Scorsese – L’Exposition” é dedicar uma parte considerável à cinefilia explícita do diretor. Colecionador e responsável por projetos de preservação de películas e documentos raros, Scorsese é, antes de tudo, um amante do cinema e espelha homenagens e influências em suas obras. Em particular, a Alfred Hitchcock, de quem encontrou um fragmento do roteiro “The Key to Reserva” e decidiu filmá-la em 2007 para tentar, de alguma maneira, apresentar ao público qual era a ideia original do diretor – o curta, exibido na exposição, está disponível abaixo:

Ainda sobre a cinefilia, a exposição dedica um espaço à “Nova Hollywood” dos anos 1960 e 1970, quando Scorsese, Francis Ford Coppola, Steven Spielberg, Warren Beatty e outros diretores tomaram a rédea de suas produções e mudaram o modus operanti do cinema nos EUA.

Parte da exposição que mostra o cenário preferido de Scorsese, Nova York

Por fim, a exposição termina com outra paixão de Scorsese – a música. E se há uma reclamação a ser feita é justamente nesse derradeiro final. Fora algumas cenas de “No Direction Home”, sobre Bob Dylan, e “Shine a Light”, sobre os Rolling Stones, não tinha quase nada de interessante. “The Last Waltz”, o magnífico concerto da The Band gravado por Scorsese em 1976, por exemplo, se resume a um disco de ouro, enquanto o recente “Living in the Material World”, sobre George Harrison, sequer é citado.

Mas, depois de mais de duas horas de deleite, é até desonroso reclamar.

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