top of page

Sobre interromper

Ladrilho velho. Parede descascada. Teto branco. Cheiro de mofo.

- Mais uma injeção, por favor.

Queria anestesia. Mas não falava. Quem entenderia? Os olhos, destinados a tudo transparecer, mais uma vez, eram ignorados. Ladrilho velho. Parede descascada. Teto branco. Cheiro de mofo.

- Agora ele vem... Você pode me notar?

Ninguém ouviu. Pensou em agarrá-lo pelo jaleco. Rolar na cama e cair sobre o ladrilho velho. Certamente doeria menos. Força não tinha. Acabou no seu último arroubo. Nem as cordas vocais respondiam mais. Era como se fossem impedidas de vibrar.

Tudo naquele corpo estava inerte. Só os olhos continuavam lá, seguindo a sequência ladrilho velho, parede descascada e teto branco. Esperava por não mais sentir aquele cheiro de mofo. E a miserável dor.

Ele veio novamente. Ela fez um tremendo esforço e uma lágrima finalmente escorregou. Ele viu. Quis fingir não ter visto. Mas viu. Também não queria estar naquela ingrata função. Cravou a agulha na ampola, carregou a seringa, tirou o sopro de ar. Pegou no braço dela e aquele calor de poucos segundos puxou um fio da memória.

Um rasgo, seguido de arrepio. Pronto. Ela não sentiu mais nada, nem a lembrança do calor. Graças a Deus, pensou.


Posts recentes
Arquivo
bottom of page