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Não te esquecerei, Adel Abdessemed

Já falei aqui do meu "encontro" mais recente com Picasso, no museu que leva o nome dele, e provavelmente você lerá alguns outros posts citando o pai do cubismo. Paris tem dezenas - talvez uma centena - de museus/espaços de arte e não raro nos deparamos com uma de suas criações. Assim, imagino o quão fácil é curar uma farta mostra do artista por aqui.

Na contramão de reunir um recorte de sua produção, a exposição Picasso.Mania - em cartaz até 29 de fevereiro no Grand Palais - segue uma linha analítica: garimpar influências do espanhol em obras de outros artistas. A procura juntou desde referências diretas à figura propriamente dita do Picasso e às suas obras, e outras relações que passariam despercebidas por mim sem o auxílio da curadoria.

Picasso.Mania foi uma das primeiras exposições temporárias que visitei nesta passagem pela capital francesa e muito do que eu vi nela já foi esquecido. Não tenho memória fotográfica, então, para me recordar com precisão de algumas obras é preciso que eu as tenha visto mais de uma vez. Salvo os mais famosos, com frequência fico em dúvida em já ter conhecido pessoalmente um trabalho em outras oportunidades - na maioria das vezes, estou enganada. Isso para não falar na confusão que faço com nomes...

Mas nem sempre é assim (graças!). Tem trabalhos que me marcam tanto ao primeiro contato a ponto de eu resumir toda uma experiência em um único nome. Foi assim com a exposição Picasso.Mania, reduzida ao meu encontro com Adel Abdessemed. Na penúltima - ou antepenúltima, não me recordo bem - sala da mostra, fui atraída para um quadro de grandes proporções que parecia ser tramado com galhos/raízes de árvores.

O painel visto de longe

Cheguei mais perto e pude reconhecer meu engano pelos olhos expressivos de animais organicamente sobrepostos. A quantidade e a forma meticulosa que estavam posicionados me assustaram em um primeiro momento, depois me despertaram uma fascinação mórbida. Fiquei uns dez minutos indo de uma ponta à outra do painel, depois sentei e fiquei mais alguns minutos hipnotizada. Olhava incrédula para as outras pessoas que passavam, davam uma olhadinha para aquele tapete de animais e seguiam em frente. Eu não consegui. Nem lembro quais eram as outras obras que dividiam a sala.

Detalhe da obra

Saí da mostra apenas com o nome da obra inspirada no massacre de "Guernica" - inclusive com as mesmas dimensões propostas por Picasso - e cheia de curiosidade. A principal: de onde vieram os animais que foram parar na tela? "Who’s afraid of the big bad wolf?" (2011-2012) é um dos trabalhos mais emblemáticos de Adel Abdessemed, artista argelino que vive entre Paris e New York, e já havia sido exposto em Paris no Centre Pompidou, em 2013. Os 600 animais selvagens foram empalhados e tiveram a pele queimada com maçarico, por isso a homogeneização de cor terrosa. Abdessemed conta que a maioria dos animais, entre raposas e lebres, foi abatida na França, com exceção dos lobos, trazidos dos Estados Unidos. Não encontrei respostas sobre as circunstâncias da morte destes animais – nem mesmo se foi de causa natural. Considerando que outros trabalhos de Abdessemed evocam o uso de animais - incluindo vídeos de abates - e há uma série de petições na internet contra a prática dele, está aí uma arte que podemos chamar de controversa. Ao mesmo tem que o artista pretende denunciar a matança não menos violenta da registrada em Guernica, mira para si o ódio de militantes da causa animal.

Como bem refletiu Barbara Denis-Morel (neste artigo): "Podemos rejeitar a violência dessas imagens em nome dos interesses e do bem-estar animal; a verdade é que o nosso abastecimento de carne é necessariamente uma fonte de sofrimento para milhões de animais criados e mortos impiedosamente. A única atitude honesta em ter que enfrentar este trabalho é olhar de novo e de novo, apenas para admitir o verdadeiro papel dos seres humanos no destino dos animais."

Agora, substituo uma dúvida por outra: será que para tratar de violência de forma eficaz é preciso mesmo repeti-la?

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