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"A minha obra é o meu corpo"

Fevereiro dá adeus e pouco a pouco Paris volta a ser mais generosa. Desde dezembro tenho contado os dias para o fim do inverno, não tanto pelo frio, mas pela falta de luz natural. Com o sol nascendo às 9h e se pondo pouco depois das 16h, parecia que meu dia era engolido junto com o meu ânimo. Ainda mais para uma pessoa como eu, que troca qualquer saída noturna por um programa diurno, a céu aberto.

Agora um pouco mais acostumada com o clima, também começo a retomar a lista de "lugares que eu quero se conhecer em Paris". Ela ainda é extensa, já que durante o ano passado e comecinho deste ano estava comprometida com um intensivão de francês e acabava não tendo tanto tempo para o "lazer".

A minha "boa fase" recomeça com a Jeu de Paume, uma galeria de arte localizada entre dois caldeirões de turistas: o Louvre e a Champs Élysées. O lugar quase passa despercebido para quem percorre de um ponto a outro, atravessando a Place de la Concorde, que de tão imponente acaba ofuscando boa parte da paisagem. A galeria fica do lado esquerdo da entrada principal do Jardin des Tuileries e disputa atenção com o Musée de l'Orangerie, do lado oposto, embora este com um acerto permanente, com destaque para o acervo de obras impressionistas.

Aí está o prédio da galeria

O Jeu de Paume é uma galeria pequena com capacidade para receber duas exposições consecutivas de médio porte. >> Aqui vou abrir um parênteses para explicar o porquê do nome. A função original da construção, inaugurada em 1862, era servir de centro de esportes para os praticantes de jeu de paume, antigo esporte de raquete - uma espécie de avô do tênis. O local chegou a ficar abandonado quando o esporte já nao era mais tão praticado no começo do século XX e cada vez mais perdia espaço para o tênis. Foi aí que alguém teve a brilhante ideia de transformar o prédio em galeria de arte. Algo bem visionário, já que foi a primeira vez na história da arte ocidental que um edifício não idealizado para este fim acabou destinado a apresentações de obras de arte. Hoje este tipo de "reaproveitamento histórico" é o que mais vemos por aqui/aí/acolá. Fecha parênteses. Fui atraída pelos anúncios da abertura de "Corpus", da artista portuguesa Helena Almeida. Como até então não havia visitado por aqui nenhuma individual de um artista contemporâneo vivo, achei interessante que fosse de alguém desconhecido por mim. Pelo que pesquisei, Helena até já passou pelo Brasil, na Bienal de São Paulo, em 1979, e na França é a primeira vez que ela ganha uma retrospectiva, apesar de ser considerada uma das grandes artistas contemporâneas portuguesas. Seu nome figura entre os destaques da performance e da arte conceitual desde os anos 1970.

'Pintura habitada', de 1975. Foto de Filipe Braga

Os organizadores Marta Moreira de Almeida e João Ribas condensaram 50 anos de trabalho de Helena em cinco salas, de forma a evidenciar o caráter performático de seus trabalhos, os quais têm Helena como presença visual constante (achei ela um pouco parecida com a Clarice Lispector, vocês não acham?). É dela a frase que intitula este post: "A minha obra é meu corpo, meu corpo é minha obra".

Uma das séries em que Helena experimenta a fotografia A artista portuguesa "se apresenta" nas telas que, ora mesclam fotografia e pintura, ora fotografia e desenho. Quando não está nas séries "habitadas", ela eleva ao máximo seu lado "desconstrutor" dos suportes artísticos tradicionais e da linguagem da pintura.

Helena é divertida quando brinca com as possibilidades de montagem e interferência, algo que deixa a exposição bem atraente para quem evita mostras de arte contemporânea por achar que não entenderá nada ou sairá entediado. Ao mesmo tempo, é implacável nas séries mais críticas, como “Ouve-me”, “Sente-me” e “Vê-me”, onde ela aparece amordaçada, suturada ou sufocada.

"Corpus" estará em cartaz até 22 de maio e o ticket (10 euros) dá direito a visitar a mostra do fotógrafo François Kollar, no andar inferior. Ah, é bacana a preocupação da galeria com o caráter didático das exposições. Na recepção, estão dispostos para consulta livros e outras publicações que abordam temas relacionados aos assuntos provocados nas mostras. Ainda não tinha visto esta iniciativa por aqui.

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