top of page

Um lugar para se sentir em casa em Paris

Acho que vou inaugurar uma seção aqui no blog, a de "lugares pouco conhecidos, interessantes e gratuitos em Paris", tendo em vista minhas duas últimas "descobertas" por aqui. Ou talvez eu esteja sendo presunçosa demais - para não dizer desinformada - achando que realmente se tratam de lugares pouco populares.

O fato é que minha intenção com este blog nunca foi transformá-lo em um guia de Paris fora do óbvio, tarefa já bem desempenhada pelo Paris Lado B. Nem busco pautar meus passeios com a necessidade de atualização do blog. O caminho é inverso. Esta página é mais uma forma de guardar as lembranças do que tenho visto por onde estou e por onde passarei/permanecerei no futuro.

É por isso que a Fundação Calouste Gulbekian (39, boulevard de La Tour-Maubourg) ganha este post por um motivo mais afetivo do que necessariamente uma indicação. Até porque o que eu mais gostei na experiência de estar lá foi justamente a tranquilidade e receptividade, o que não seria possível se o local virasse mais um dos pontos de encontro clássicos de Paris.

A fundação portuguesa completou, no ano passado, 50 anos de inauguração em Paris. Primeiramente, era instalada na antiga residência de Calouste Sarkis Gulbenkian, transformada após a morte dele em um reduto para a promoção da cultura portuguesa na França. Depois, o lugar ficou pequeno para o grande acervo de livros, o maior de língua portuguesa fora de Portugal e do Brasil, e em 2011 tudo foi transferido para o endereço atual.

Atual fachada da fundação, pertinho da estação de metrô La Tour-Maubourg

Em Portugal, a atuação da fundação é ainda maior, prevista em testamento por Calouste, um empresário da indústria petrolífera e grande colecionador de artes, que apesar da origem armênia e britânica, viveu muitos anos em Lisboa. Acontece que ele também tinha esta residência em Paris, com obras de arte significativas, o que demandou a criação deste espaço em Paris como um acordo entre a fundação e o governo da capital francesa em troca da retirada e transferência das obras para Lisboa.

Não sei se vale a pena a fundação entrar no roteiro daqueles visitantes de menos de dez dias. Acredito que ela tem bem mais a oferecer para quem mora em Paris. Por quê?

1º - Possui uma agenda regular de eventos de arte e literatura.

2º - Apresenta sempre uma exposição de arte bem embasada.

3º - Conta com uma biblioteca de mais de 90 mil títulos em português, incluindo muito autores brasileiros, que são emprestados gratuitamente mediante a simples apresentação de passaporte e comprovante de residência.

4º - Oferece espaço agradável e confortável para estudos, ou se você quiser apenas ler algumas revistas, além de internet rápida.

Eu ainda poderia incluir na lista a forma simpática com que fui recebida durante a visita. Fiquei sozinha durante toda o percurso à exposição do artista Julião Sarmento, sem aquela sensação de ser vista como uma ameaça que a qualquer momento pode danificar ou surrupiar uma obra, como é comum nos sentirmos nos museus e galerias daqui (mesmo com câmeras de segurança, tá?).

"Forget me (with bucket)" (2006), de Julião Sarmento

Sarmento, aliás, foi um ótimo anfitrião. "La chose, même" ou "The real thing", curada por Ami Barak, resume a sua busca pela representação do desejo e de seus mecanismos em 25 obras, produzidas pelo artista lisboeta entre 1973 e 2013. A mulher como imagem deste "obscuro objeto do desejo”, referência ao filme homônimo de Luis Buñuel, vira signo constante na exposição, assim como a presença do leite e o do mel, o primeiro como símbolo de fertilidade e o segundo como afrodisíaco natural.

A mostra também é marcada por intervenções e apropriações de obras-primas. A "Pequena Bailarina", de Degas, ganha uma versão adulta e despida. As ilustrações pornográficas da primeira edição do livro "La Nouvelle Justine ou les Malheurs de la vertu", de Marquês de Sade, sofrem intervenção afim de receber mais detalhes. Enquanto a composição "Danse des Chavaliers", do balé Romeu e Julieta, vira trilha de um striptease exibido de trás pra frente.

"Ilustração para Justine e Juliette" (1995), de Julião Sarmento

A exposição segue até 17 de abril, mas Sarmento permanece na fundação em tempo indeterminado com a escultura "Marie", inaugurada no jardim do prédio na última semana. A ideia é que a obra continue vestida com uma peça desenhada pelo estilista Felipe Oliveria Baptista, sofrendo as ações do tempo. Conforme a exposição ao sol e à chuva for danificando a roupa, novos modelos serão sobrepostos.

Registro da escultura "Marie" ainda não inaugurada e protegida da garoa de Paris

Posts recentes
Arquivo
bottom of page