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Passeio pelo relicário do mestre das formas modernas

Começo este texto pedindo desculpa pelo meu alto grau de déficit de atenção. Precisei de cinco idas ao Centre Georges Pompidou, em Paris, para finalmente conhecer o seu "puxadinho". Listado como uma das instalações do complexo, o Atelier Brancusi já estava se tornando um mistério quando, ao terminar o circuito de exposições, eu sempre me despedia sem topá-lo pelo caminho. Coisa de gente preguiçosa, eu admito. Nunca perguntei para nenhum funcionário, mas da última vez não esqueci de sanar a minha dúvida quando cheguei em casa.

Finalmente descobri que a construção ao lado esquerdo da entrada do Pompidou, que mais parece um anexo administrativo do centro, é o tal espaço dedicado ao romeno Constantin Brancusi, um dos nomes-chave da escultura moderna. Talvez ele esteja "berrando" para a maioria dos visitantes, mas a minha miopia deixava o letreiro prata sobre a pintura bege passar batido.

Tá. Nem é tão discreto assim. A culpa é do Pompidou, que é colorido e acaba me distraindo (haha)

A entrada é gratuita e dentro do padrão adotado pelos museus parisienses (bolsa aberta + detector de metais), mas parece que há mais pombos se aninhando na cobertura do atelier (sim, uma colônia deles!) do que gente interessada em conhecer o espaço. Enquanto no Pompidou a fila em frente à fachada é constante, a calmaria reina no quadrilátero que comporta o grande "aquário" onde estão superconcentradas obras e instrumentos de trabalho que pertenceram ao escultor.

Como tudo aqui parece ser bem planejado, o motivo da discrição do atelier não foge à regra. A construção é uma reprodução do último atelier do Brancusi em Paris, doado pelo próprio artista ao governo francês um ano antes da morrer, em 1956. Na verdade, foi o conteúdo do atelier que passou às mãos do Estado, responsável por realocá-lo primeiramente no Palais de Tokyo, aqui mesmo em Paris, onde ficou por algum tempo. ** Conheça o atelier que pertenceu ao pintor Eugène Delacroix **

Apesar de chamarmos de atelier, o espaço de trabalho de Brancusi é muito mais do que isso. Trata-se de um relicário de décadas de produção, com obras originais e moldes de peças vendidas ou que estão pelos museus mundo afora.

A gente vê tudo isso pelo vidro. Infelizmente, não dá para chegar pertinho

A construção do Pompidou, em 1977, trouxe a possibilidade de idealizar um lugar próprio para a memória de Brancusi. Foi aí que decidiu-se fazer uma réplica exata do atelier instalado na rua L'impasse Ronsin, no 15º arrondissement.

A área de trabalho de Brancusi é dividida em quatro ambientes cercados de vidros por onde o visitante circula no corredor em torno, sem que possa se aproximar das peças. É uma solução que atende ao desejo do artista e respeita a organização espacial proposta por ele, mas limita a visualização das esculturas menores. É possível identificar os nomes das obras com a ajuda de mapas como este:

A foto está péssima, mas é só para ter uma noção de como elas estão numeradas para serem encontradas na lista

Brancusi foi protagonista na transição da escultura clássica, marcada pelo estudo anatômico, para a escultura moderna, ligada ao apreço pela forma pura, ao lado de nomes como Picasso, Boccini e Duchamp.

Logo no primeiro ambiente da reconstituição, esta passagem pode ser observada em uma das versões de O Beijo (1923-25), a criação mais popular de Brancusi. O bloco de pedra é trabalhado dando forma à imagem do homem e da mulher, uma referência moderna à obra de mesmo nome do ícone da escultura clássica, Auguste Rodin.

O Beijo é uma das esculturas mais conhecidas do romeno

As esculturas de Brancusi deixam os detalhes em segundo plano para priorizar as linhas e formas perfeitas, bem resolvidas nas séries ovais, que contemplam A Musa adormecida e Cabeça de mulher, por exemplo, também presentes na coleção. Elas são quase um ensaio para o que depois se conheceria como minimalismo.

O atelier também reúne outra herança famosa do escultor, a Coluna sem fim, em quatro versões. Este projeto foi instalado como monumento na Romênia em referência à 1ª Guerra Mundial.

As colunas, ao fundo

Fora o mérito de reunir o que de melhor o romeno produziu nas décadas vividas em Paris, ainda temos contato com detalhes da intimidade dele, seja na presença de instrumentos musicais ou de materiais utilizados na confecção das esculturas.

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