Passeio pelo relicário do mestre das formas modernas
- Rafaela Mazzaro
- 2 de mai. de 2016
- 3 min de leitura
Começo este texto pedindo desculpa pelo meu alto grau de déficit de atenção. Precisei de cinco idas ao Centre Georges Pompidou, em Paris, para finalmente conhecer o seu "puxadinho". Listado como uma das instalações do complexo, o Atelier Brancusi já estava se tornando um mistério quando, ao terminar o circuito de exposições, eu sempre me despedia sem topá-lo pelo caminho. Coisa de gente preguiçosa, eu admito. Nunca perguntei para nenhum funcionário, mas da última vez não esqueci de sanar a minha dúvida quando cheguei em casa.
Finalmente descobri que a construção ao lado esquerdo da entrada do Pompidou, que mais parece um anexo administrativo do centro, é o tal espaço dedicado ao romeno Constantin Brancusi, um dos nomes-chave da escultura moderna. Talvez ele esteja "berrando" para a maioria dos visitantes, mas a minha miopia deixava o letreiro prata sobre a pintura bege passar batido.

Tá. Nem é tão discreto assim. A culpa é do Pompidou, que é colorido e acaba me distraindo (haha)
A entrada é gratuita e dentro do padrão adotado pelos museus parisienses (bolsa aberta + detector de metais), mas parece que há mais pombos se aninhando na cobertura do atelier (sim, uma colônia deles!) do que gente interessada em conhecer o espaço. Enquanto no Pompidou a fila em frente à fachada é constante, a calmaria reina no quadrilátero que comporta o grande "aquário" onde estão superconcentradas obras e instrumentos de trabalho que pertenceram ao escultor.
Como tudo aqui parece ser bem planejado, o motivo da discrição do atelier não foge à regra. A construção é uma reprodução do último atelier do Brancusi em Paris, doado pelo próprio artista ao governo francês um ano antes da morrer, em 1956. Na verdade, foi o conteúdo do atelier que passou às mãos do Estado, responsável por realocá-lo primeiramente no Palais de Tokyo, aqui mesmo em Paris, onde ficou por algum tempo. ** Conheça o atelier que pertenceu ao pintor Eugène Delacroix **
Apesar de chamarmos de atelier, o espaço de trabalho de Brancusi é muito mais do que isso. Trata-se de um relicário de décadas de produção, com obras originais e moldes de peças vendidas ou que estão pelos museus mundo afora.

A gente vê tudo isso pelo vidro. Infelizmente, não dá para chegar pertinho
A construção do Pompidou, em 1977, trouxe a possibilidade de idealizar um lugar próprio para a memória de Brancusi. Foi aí que decidiu-se fazer uma réplica exata do atelier instalado na rua L'impasse Ronsin, no 15º arrondissement.
A área de trabalho de Brancusi é dividida em quatro ambientes cercados de vidros por onde o visitante circula no corredor em torno, sem que possa se aproximar das peças. É uma solução que atende ao desejo do artista e respeita a organização espacial proposta por ele, mas limita a visualização das esculturas menores. É possível identificar os nomes das obras com a ajuda de mapas como este:

A foto está péssima, mas é só para ter uma noção de como elas estão numeradas para serem encontradas na lista
Brancusi foi protagonista na transição da escultura clássica, marcada pelo estudo anatômico, para a escultura moderna, ligada ao apreço pela forma pura, ao lado de nomes como Picasso, Boccini e Duchamp.
Logo no primeiro ambiente da reconstituição, esta passagem pode ser observada em uma das versões de O Beijo (1923-25), a criação mais popular de Brancusi. O bloco de pedra é trabalhado dando forma à imagem do homem e da mulher, uma referência moderna à obra de mesmo nome do ícone da escultura clássica, Auguste Rodin.

O Beijo é uma das esculturas mais conhecidas do romeno
As esculturas de Brancusi deixam os detalhes em segundo plano para priorizar as linhas e formas perfeitas, bem resolvidas nas séries ovais, que contemplam A Musa adormecida e Cabeça de mulher, por exemplo, também presentes na coleção. Elas são quase um ensaio para o que depois se conheceria como minimalismo.
O atelier também reúne outra herança famosa do escultor, a Coluna sem fim, em quatro versões. Este projeto foi instalado como monumento na Romênia em referência à 1ª Guerra Mundial.

As colunas, ao fundo
Fora o mérito de reunir o que de melhor o romeno produziu nas décadas vividas em Paris, ainda temos contato com detalhes da intimidade dele, seja na presença de instrumentos musicais ou de materiais utilizados na confecção das esculturas.

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