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Onde ver Almodóvar, Polanski e outros diretores de cinema em Paris

Paris não é Hollywood. E mesmo que a França tenha a terceira maior produção cinematográfica do mundo, quem visita a capital e cultua a sétima arte corre o risco de levar consigo só a lembrança dos charmosos cinemas de rua, tal a escassez de opções deste setor para os turistas.

Mas os cinéfilos podem, sim, aproveitar bem a passagem por Paris se ela vier acompanhada de vigílias em sites específicos muito antes de organizar o roteiro de viagem. Assim, conhecer pessoalmente diretores aclamados, como Pedro Almodóvar, Roman Polaski, Jean-Pierre Jeunet e Nicolas Winding Refn, pode ser mais fácil do que se imagina.

La Cinémathèque Française, por exemplo, oferece encontros como estes bastante acessíveis, além de contar com uma exposição permanente sobre a história do cinema e outras temporárias (no momento é sobre Gus Van Sant, até 31 de julho). Foi lá que participamos de um bate-papo com o diretor Paul Verhoeven (criador do RoboCop) antes de assistirmos a uma sessão do clássico francês "A Bela da Tarde" em película 35mm.

Outro caminho é o cinema Les Fauvettes. O espaço exibe somente filmes restaurados, em película. Por isso, conta com uma programação de clássicos, e ainda realiza conversas com algumas das lendas do cinema europeu. A única dificuldade é acompanhar os anúncios para estar em frente ao computador assim que abrem as vendas dos bilhetes online. Normalmente, elas têm preço simbólico, às vezes menor do que o de uma sessão, e voam em poucos minutos.

Foi lá que tivemos a oportunidade de conhecer Pedro Almodóvar. Assim como aconteceu com Roman Polanski, em abril, o cinema promove nas próximas semanas um ciclo de filmes do cineasta espanhol, e o próprio veio a Paris para divulgar a programação. Almodóvar ainda está em plena campanha de lançamento de seu último filme, "Julieta", que concorre este mês no Festival de Cannes e terá uma première no dia 18 de maio, no Les Fauvettes. “Para mim, divulgar o lançamento de um filme faz parte da produção deste filme. Eu gosto de falar sobre ele, e não me importo de responder várias vezes as mesmas perguntas, principalmente sobre o uso das cores e o porquê de eu preferir personagens femininas”.

Almodóvar já sabia: ao participar do encontro no Cinéma Les Fauvettes, ele fatalmente teria que fazer uma retrospectiva de seus mais de 40 anos de carreira e abordar alguns temas que são quase suas assinaturas como diretor.

As cores e as mulheres, claro, estavam nas questões, e Almodóvar tratou de resolvê-las rapidamente. “Eu tenho boas respostas para essas perguntas”, brincou. “Curiosamente, na Espanha ninguém nunca me perguntou sobre o colorido dos meus filmes. Creio que seja algo mais cultural, próprio do meu país, e isso chama a atenção do público no exterior”.

Sobre as mulheres, a resposta foi mais longa: nascido na pequena Calzada de Calatrava, Almodóvar teve a infância marcada pelo pós-guerra, com muitas famílias comandadas por mulheres fortes, mas que nem por isso perdiam o humor. “Eu cresci cercado por essas mulheres interessantes e suas histórias. Minha mãe, minhas irmãs e minhas vizinhas foram figuras importantes em minha formação pessoal.”

Fazer do cotidiano objeto cinematográfico sempre foi marca de Almodóvar. Ele diz ser um colecionador de recorte de jornais, de onde encontra histórias peculiares. Foi assim, por exemplo, que soube de um curso de dramaturgia para médicos, como forma de prepará-los para contar a morte de alguém aos familiares e abordar o tema da doação de órgãos. O fato, obviamente, serviu de base para "Tudo Sobre Minha Mãe", vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2000.

Nessas imagens do cotidiano, Almodóvar insere seu toque pessoal. O próprio nome da produtora que fundou com o irmão Agustín, El Deseo, explica o flerte com o hiper-realismo em seus filmes. “Acredito que tudo fica melhor quando fazemos algo a partir do desejo”, pontua. “O roteiro pode ter suas estranhezas, ser até inverossímil, mas dentro do filme ele precisa funcionar, o público precisa acreditar que aquilo é verídico naquele universo”.

Para se assegurar disso, Almodóvar diz ter se cercado dos melhores atores e atrizes espanhóis das últimas décadas. “Nem sempre eu escrevo pensando em um intérprete específico, mas muitas vezes sim, o personagem é criador diretamente para alguém”, caso da Raimunda de Penélope Cruz, em "Volver", e o Ricky de Antonio Banderas, em "Ata-me".

Apesar da ousadia latente em seu trabalho, Almodóvar diz manter ao menos uma tradição: ele não pensa em se render ao cinema digital, e até hoje só grava em película – algo cada vez mais difícil e que o coloca em um grupo distinto, formado por veteranos como Martins Scorsese e o inventivo Christopher Nolan. “Eu sinto que alguma coisa se perde no digital, como profundidade de campo, algo assim. Ou talvez eu seja só um nostálgico mesmo”, conclui.

Nostalgia, mas com certa dose de excentricidade bem ao sabor do cinema de Almodóvar.

***

PS: Em Saint Denis, do ladinho de Paris, ainda há La Cité du Cinéma, que reúne nove estúdios de filmagem. O local não é aberto ao público, exceto para a visita guiada oferecida pelo Cultival, em que se pode conhecer a história da antiga central eléctrica construída na década de 30 e ver a reconstrução de um set de filmagem.

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