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Museu Marmottan Monet: a infância aos olhos da arte

Até hoje, quando ouço algo sobre a história do "descobrimento" do Brasil e todo o processo de colonização, o que me vem à mente é a tela do catarinense Victor Meirelles, aquela em que os índios parecem super à vontade com a doutrinação imposta pelos brancos. "A primeira missa no Brasil" ilustrou todos os meus livros fundamentais e, posteriormente, os de pré-vestibular, como se fosse o único registro "fiel" deste marco da mudança que nos traria até aqui.

Não, os livros não diziam que se tratava de uma reconstrução feita pelo menos 300 anos depois e que tinha função meramente ilustrativa. Nem mesmo os professores souberam usá-la a favor da aula; ela ficou como registro real e sem ser debatida como merecia.

Recorro a esta lembrança, pois recentemente saí de uma exposição temporária no Museu Marmottan Monet, em Paris, pensando "uau, que puta lição de história!". A visita foi à mostra "A arte e a infância", em cartaz até 3 de julho, e que usa a arte como ponto de partida - e não apenas como peça ilustrativa - para uma verdadeira aula, no caso, sobre como foi se configurando o papel das crianças na sociedade. A coleção de pinturas francesas traça uma linha do tempo com ponto de partida no Renascimento.

O tema se mostrou mais curioso do que eu imaginava, tanto que acabei comprando uma publicação e buscando mais informações até chegar a uma entrevista concedida pelo curador da exposição, Jacques Gélis, na qual ele contextualiza:

>> "A partir do século 16, Érasme e outros autores de manuais de civilidade enfatizam a necessidade de não deixar as crianças se defenderem sozinhas. As crianças são consideradas tão parecidas com animais que precisam ser adestradas. (...) Existe uma grande diferença entre os filhos de burgueses ou aristocratas e crianças rurais, consideradas como pequenos animais imundos e incontroláveis. O adestramento começa nas cidades. (...) No século 19, é esperado que a criança torna-se um pequeno adulto, obedecendo a certos códigos."

>> "No século 17, um pai raramente abraça os filhos. A mãe que amamenta é fisicamente mais próxima de seus filhos. Mas quando eles começam a andar... As marcas de afeto são pouco visíveis."

>> "As coisas mudam no século 18, mas de maneira contraditória. De um lado, a ama-de-leite agora se estende à classe média, de artesãos e comerciantes. As crianças são enviadas ao interior, para a casa de amas-de-leite, o que aumenta o índice de mortalidade infantil. Outras são abandonadas. (...) Ao mesmo tempo, a partir da década de 1750, a contracepção cresce, especialmente nas cidades. Há menos crianças, afim de melhor educá-las e amá-las."

A exposição foi dividida em quatro partes, com algumas subdivisões. Mais didático que isso, impossível. Como não era permitido fotografar as obras, procurei imagens de alguns trabalhos escolhidos para tratar cada período.

SÉCULOS 16 E 17

Neste período, paira um olhar negativo sobre as crianças, principalmente por influência da Igreja, que as considera almas perdidas até que sejam batizadas. O menino Jesus é figura majoritária quando se trata da representação da infância. As demais são retratos de crianças de famílias aristocráticas e da alta burguesia, como esta do futuro rei Louis 13, com seis anos.

FRANS POURBUS LE JEUNE (1569/70-1622)

Louis XIII en costume de deuil, 1611, óleo sobre tela, 180x90 cm

SÉCULO 18

O século do Iluminismo traz um olhar mais atento à infância, principalmente no que se refere à preparação das crianças para a fase adulta. A educação é tema de algumas das obras que ilustram este período. Os pequenos também aparecem como centro das atenções nas imagens de família, muitas vezes rodeados de afeto.

JEAN-BAPTISTE SIMÉON CHARDIN (1699-1779)

L'enfant au toton, 1738, óleo sobre tela, 67x76 cm

FRANÇOIS-ANDRÉ VINCENT (1746-1816)

Madame Boyer-Fonfrède et son fils, 1796, óleo sobre tela, 96x79 cm

SÉCULO 19

A educação deixa de ser privilégio de poucos. Por outro lado, a industrialização, e a crescente necessidade de mão-de-obra, força o ingresso prematuro de crianças ao trabalho. As pinturas mostram as crianças em uma posição de independência não antes vista e também colocam luz sobre situações cotidianas, até mesmo dos setores mais pobres, cenas ignoradas, como mostra a exposição, pelos impressionistas, mais preocupados em retratar a beleza da juventude.

PHILIPPE-AUGUSTE JEANRON (1809-1877)

Les Petits Patriotes, 1830, óleo sobre tela, 101x81,5 cm

FERNAND PELEZ (1843-1913)

Un martyr. Le marchand de violettes, 1885, óleo sobre tela, 87x100 cm

BERTHE MORISOT (1841-1895)

Eugène Manet et sa fille dans le jardin de Bougival, 1881, óleo sobre tela, 73x92 cm SÉCULO 20

Os artistas passam a também se interessar pelos desenhos feitos por crianças. Eles fascinam a vanguarda pela espontaneidade. Em um momento artístico em que se busca recuperar o primitivismo, este olhar inocente sobre o mundo vai inspirar muitos trabalhos de artistas como Pablo Picasso, Henri Matisse e Jean Dubuffet.

PABLO PICASSO (1881-1973)

Le Peintre et l'enfant, 1969, óleo sobre tela, 130x195 cm

HENRI MATISSE (1869-1909)

Portrait de Pierre, 1909, óleo sobre tela, 40,6x33 cm

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NOTA MENTAL: Se a arte fala sobre seu tempo (e como vimos, pode dar por si só um banho de história), fico curiosa para saber quais serão as obras que melhor retrarão o momento atual do Brasil daqui a 50 anos... Alguma sugestão?

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