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Henri Rousseau, um pintor fora da caixa

A primavera em Paris pede para que os turistas atrasem seus passeios matutinos. Em compensação, alongam-se os programas noturnos. A cidade nem sempre amanhece convidativa para quem deseja perambular logo nas primeiras horas. É no entardecer que o tempo parece ficar mais estável e, com o sol se pondo depois das 21 horas, vale mesmo a pena reservar a manhã para descanso e estocar energia para a noite.

Não por acaso, é neste período do ano que acontece a Nuit Européenne des Musées. Mais de mil museus europeus participam da programação. Neste dia, todos oferecem entrada gratuita, têm seus horários estendidos até a meia-noite e recebem atrações artísticas de vários gêneros. A edição deste ano ocorreu no último sábado.

A lista de participantes da Nuit des Musées inclui os museus parisienses mais cobiçados pelos turistas. Se por um lado foi uma ótima oportunidade de aproveitar a programação gratuita, é também previsível que estes lugares estivessem mais cheios que o normal, podendo tornar uma experiência dos sonhos em uma situação de estresse.

Bem por conta disto escolhi aproveitar o evento para ir a um território já explorado. O Museu D'Orsay é um dos meus lugares preferidos em Paris, não só pela coleção de arte, mas pelo ambiente em si. A antiga estação de trem é encantadora e seus janelões oferecem uma das mais belas vistas do rio Sena. Além do mais, eu ainda não tinha tido a oportunidade de visitar a exposição temporária dedicada a Henri Rousseau, "Le Douanier Rousseau. L'innocence archaïque", em cartaz até 17 de julho.

Henri Rousseau (1844-1910), ou Douanier, como é conhecido, não fez mais sucesso que Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Na real, não sei se há algum grau de parentesco entre os dois, mas foi no filósofo que pensei quando vi os primeiros cartazes da exposição. A produção de Rousseau, o pintor, não ecoou significativamente na época. Ou pelo menos era isso que diziam os críticos ao justificar que a produção dele era inclassificável dentro dos movimentos modernos.

Justamente no sentido de corrigir este equívoco histórico, a mostra no d'Orsay – que passou também pela Itália – propõe a descoberta de um Rousseau influenciador de artistas modernos. As provas estão por todas as salas que compõem a exposição.

A primeira mensagem deixada pela exposição já seria um belo atestado da importância do pintor: Rousseau foi quem inaugurou (ou redescobriu) o gênero retrato-paisagem. A mostra reúne alguns exemplares – soldados retratados em seu cenário de atuação, até um casamento com um pano de fundo, digamos, incomum. Para André Salmon, um amigo de Picasso, a arte de Rousseau fazia o link entre a o primitivo italiano e o modernismo de Carlo Carrà.

"La Noce" (1905)

Ainda nas séries de retratos, cabe uma atenção especial aos modelos femininos e infantis. As mulheres são representadas de forma imponente, ostentando grandes silhuetas e são praticamente monumentos dentro da tela. As fisionomias não têm nada de doçura, pelo contrário, são fortes e, por vezes, "carrancudas". Rousseau também tem uma forma incomum de retratar as crianças. Os pequenos não aparentam a meiguice recorrente e, embora estejam vestidos conforme a idade, têm posturas e aparência de adultos.

"Pour Fêter Bébé" (1903)

A exposição abrange ainda os quadros de natureza morta, paisagem e guerra. O que mais me chamou a atenção, no entanto, foi o tema selva, também o mais bem contemplado na mostra em número de obras, com quadros trazidos de acervos de Moscou, Filadélfia, Chicago, Cleveland e Washington.

"La Charmeuse de Serpent" (1907)

Interessante, antes de tudo, contar que Rousseau jamais saiu da cidade. A selva dos quadros dele revela um mundo primitivo, paraísos intactos onde habitam seres exóticos. Um misto de realidade e fantasia que posteriormente inspirou célebres da história da arte.

Baseado em “La Charmeuse de serpentes”, Victor Brauner prestou uma homenagem ao pintor em 1945, também vista na exposição. Dez anos antes, "Jardin Peuplé de Chimères", de Max Ernst, evocou a vegetação característica de Rousseau. Os surrealistas, encabeçados por André Breton, nunca esconderem a admiração pelo quadro “Le Rêve” (1910), outra obra contemplada pela mostra.

"Le Rêve" (1910)

Por todos os pontos defendidos pela exposição, é fácil chegar à conclusão de que Rousseau não pode ser reduzido a um isolamento estilístico. Pelo contrário. André Derain já dizia: "Se pendurar um Rousseau entre dois quadros, um antigo e outro moderno, o de Rousseau sempre dará a impressão mais forte”. Tão forte que fez sentido a muitos dos artistas considerados "superiores" pelo nem sempre justo sistema da arte.

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