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O que os franceses acham da arte contemporânea do Brasil

Cheia de vontade de otimizar ao máximo meu um ano em Paris, e mesmo com um francês sofrível recém-adquirido, quis me desafiar em outras experiências. Quando iniciei a busca por cursos nas áreas de jornalismo/arte/cultura, em janeiro, havia poucas ofertas que coincidissem com meus prazos. Muitos já tinham começado em setembro, início do ano letivo na Europa, e outros ultrapassavam a minha data de retorno ao Brasil. Sem contar as questões de preço e etc...

Até que encontrei o site Des Mots et Des Arts, projeto de duas mulheres, Morgane Pfligersdorffer e Laure Benacin, que oferece passeios guiados, palestras e cursos livres de curta duração, bem acessíveis e comandados por historiadores de arte. Embarquei na carona do terceiro e último módulo de um curso de arte contemporânea. O curso é tão livre que você pode optar por comprar o pacote de aulas fechado ou pagar somente pelas aulas que mais lhe interessar. Como o cronograma e conteúdo dos encontros ficam disponíveis com bastante antecedência, dá para avaliar o que vale mais a pena.

O post não é necessariamente sobre o curso, mas achei que seria interessante compartilhar este projeto. Tive dificuldade para encontrar relatos de brasileiros sobre cursos deste tipo em Paris. A maioria se refere somente a cursos de línguas.

Continuando... O derradeiro módulo do curso de arte contemporânea da Des Mots et Des Arts é um apanhado da produção atual de dez países. A cada encontro, o professor se debruça sobre um deles e apresenta três de seus notáveis representantes. A seleção se esforça para fugir do óbvio, mas permanece centrada nas capitais e metrópoles.

Entre os países está o Brasil, único escolhido da América Latina, o que me deixou bastante surpresa. Vou listar aqui os outros países para não parecer exagerada: França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Estados Unidos, China, Índia, África do Sul e Emirados Árabes Unidos. >> Uma galeria de arte contemporânea longe da muvuca turística de Paris

SIM!! A produção brasileira é celebrada fora de seus muros. Sabe por quê? Logicamente vou me basear no que ouvi na sala de aula: a diversidade étnica corrobora para que nossa produção contemporânea seja complexa e interessante aos olhos estrangeiros.

Somos um país que durante muito tempo teve o Barroco como estilo predominante. O encontro com as vanguardas, no início do século 20, deu-se após a viagem de alguns artistas brasileiros para a Europa, que passava por um processo intenso de reflexão artística. O retorno deles não resultou em tentativas de reprodução, mas de resignificação do movimento dentro da nossa singularidade. Assim, temos um modernismo com uma particularidade: o manifesto antropofágico, que propunha "deglutir" o legado cultural europeu e "digeri-lo" sob a forma de uma arte tipicamente brasileira.

O ministrante da aula, o doutor em história da arte Nicolas Ferrand, também citou a Ditadura Militar como sendo outro ponto-chave da história do Brasil a impactar na produção contemporânea. Estes capítulos nem tão antigos de nosso país reverberam na atual produção, assim como nosso histórico de dominação, colonização forçada e exploração de mão-de-obra e de riquezas naturais.

Dentro deste contexto, Nicolas apresentou para a turma as obras de Vik Muniz, Adriana Varejão e Tunga, cada qual com produções que põem em discussão as questões históricas citadas. Importante salientar que os três atuam no eixo Rio-São Paulo.

Primeiro artista debatido, Vik Muniz fez carreira na área publicitária e nas artes visuais é conhecido por utilizar objetos descartados e materiais carregados de simbologia, caso da série "Sugar Children" (1996) FOTO ACIMA, em que ele desenha com açúcar crianças exploradas nos canaviais. "Pictures of Chocolate" (1997) é outra série crítica ao passado colonial do Brasil. Nela, Vik se apropria de imagens de ícones culturais e as reproduz com chocolate, outra derivação de uma matéria-prima altamente explorada no país.

Adriana Varejão é lembrada como uma artista que procura compreender o passado e colocá-lo em discussão. Suas obras, segundo Ferrand, atuam como uma criptografia da identidade cultural brasileira. O passado de um país colonizado – o civilizado versus o selvagem – está representado no rigor geométrico de obras como as da série "Saunas" (2003-2009), mas também nas massas de carne sangrentas de "Jerk Beef Ruins" (2000-2004) FOTO ACIMA.

Tunga foi o único artista a ser lembrado por uma obra exposta em Paris, a "A La Lumière des Deux Mondes" FOTO ACIMA, instalada entre as escadarias do Museu do Louvre em 2005. Apaixonado por alquimia, o artista propõe obras onde a transmutação e o diálogo entre vários reinos são recorrentes. Ele reapropria-se das formas clássicas, e por vezes clichês, e as coloca em cena de maneira a fazer ressurgir sua parte misteriosa e simbólica, em uma mistura de surrealismo europeu e realismo mágico sul-americano, claro, aos moldes da arte contemporânea.

Os três brasileiros escolhidos pelo curso têm uma carreira sólida e representam com louvor nossa produção contemporânea, mas eu também consigo pensar em mais uma dúzia de outros artistas brasileiros tão bons quanto. E você? Qual artista contemporâneo melhor nos representa na sua opinião?

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