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Museu Quai Branly: onde nós deveríamos nos reconhecer

"De certa forma, somos todos como primos." Esta é uma das mensagens deixadas pelo vídeo promocional da Momondo, muito compartilhado nas redes sociais nas últimas semanas - se não viram, aqui está. Lembrei dele assim que dei meus primeiros passos no Museu Quai Branly, em Paris, e vou lhes explicar por que fiz a ligação quase que imediata entre este vídeo e um dos acervos mais visitados da capital francesa.

A ação comercial mostra a surpresa de um grupo de pessoas ao conhecerem o resultado do exame de seus DNAs - sei que há algum tempo o Fantástico fez algo parecido com brasileiros, com direto a encontros bem emocionantes. Nos primeiros minutos de apresentação, os convidados revelam um discurso carregado de patriotismo. O resultado, no entanto, mostra que todos, sem exceção, possuem traços de vários lugares do mundo, inclusive de alguns pelos quais não havia quaisquer identificações por parte dos participantes.

A "moral" do vídeo é justamente a das aspas que lancei acima. Porém, na prática, tentar se reconhecer numa cerimônia malgaxe, num povoado vietnamita ou num ritual dos Sambia - só para citar alguns conteúdos do Quai Branly - beira a um nível e complexidade e de conhecimento do qual eu não disponho.

Assim, me vi imersa em objetos utilizados (alguns de hábitos já abandonados) por povos das Américas, África, Ásia e Oceania - foco exclusivo do acervo - sem me sentir representada em nenhum deles. Sério! Nem mesmo no meu próprio continente...

Bouddha, do Nepal. Escultura do século 11.

Uma pesquisa feita pela própria instituição aponta que somente 20% dos visitantes tem alguma afinidade pessoal com os objetos expostos. Minha amiga jornalista - e quase mestra em antropologia - Lorena disse algo durante a visita que faz total sentido: nós estamos olhando para o "outro" como se ele fosse algo exótico. ** Museu Cluny e um convite para retornar em 2020 **

Na real, era exatamente assim que eu estava vendo, fotografando e comentando os bonecos de vodu e as roupas diabólicas usadas no Carnaval de Oruro (Bolívia). Eu me senti muito distante de tudo aquilo, sem contar o fato de que, só de observar, dava para perceber que muitos dos visitantes que circulavam por ali talvez nunca viajassem para essas regiões. Para eles, Paris (?) está oferecendo a visão mais próxima da qual eles terão em toda a vida.

Nossa ida ao Quai Branly foi incentivada pelas festividades dos 10 anos de fundação, adornadas com uma ampla programação ao longo de dois dias (25 e 26 de junho). Várias atividades aconteceram simultaneamente no prédio do museu, de arquitetura moderna e a poucos passos da Torre Eiffel. Já tinha passado algumas vezes em frente à entrada principal, com seu muro vegetal, mas confesso que não imaginada que ele fosse tão grande.

Só de acervo, o Quai Branly conserva 300 mil obras dos quatro continentes (América, Ásia, Oceania e África). Sem contar os documentos e fotografias. O jardim de 18 mil m² abriga 169 árvores, e merece um passeio com direito à piquenique. Tudo foi projetado pelo arquiteto Jean Nouvel a pedido de Jacques Chirac, o então presidente da república da França e grande amante das artes não-ocidentais.

Uma rampa de 180 metros leva até as coleções. O trajeto é acompanhado de uma projeção/instalação artística que imita o percurso de um rio. "The River" (2010), assinado por Charles Sandison, é uma correnteza de palavras relacionadas às exposições. É o primeiro convite ao reconhecimento. Pesquei Bahia, Natal e Amazônia em meio ao emaranhado linguística.

A chegada ao acervo é também o começo de um labirinto quase interminável. A impressão é de que você sempre estará deixando algo para trás, alguma salinha ou cantinho onde se pode ver mais uma peça. A "caça aos tesouros" pode passar tranquilamente de três horas. Considerando que há sempre uma exposição temporária em curso, imagino que em menos de cinco horas você não sairá totalmente satisfeito do Quai Branly.

Até 9 de outubro, a visita suplementar está por conta de uma mostra comemorativa à primeira década do museu. "Jacques Chirac ou le Dialogue des Cultures" cruza a vida do político francês e idealizador do projeto com a história das civilizações a partir de itens do próprio acervo Quai Branly e alguns empréstimos, entre eles, obras de Picasso, Abel Abdessemed e Giacometti. Uma surpresa da mostra temporária é a foto de um nativo da ilha Mentawai, Indonésia, feito por Sebastião Salgado em 2013.

Da esquerda para a direita: Massacre na Coréia, de Pablo Picasso; Homem que anda, de Alberto Giacometti; Grito, de Abel Abdessemed; fragmento da foto de Sebastião Salgado; e Pombo, de Abel Abdessemed.

Para quem pesquisa algo na área - arte primitiva, popular, cultura e afins - o museu tem muito mais a oferecer. Desde a fundação ele já realizou mais de 380 conferências e dispõem de uma biblioteca com 20 mil obras e revistas especializadas, fora os documentos em áudio e vídeo.

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