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"A Última Ceia", uma sobrevivente de guerra

Já adianto na primeira linha: ver "A Última Ceia", de Leonardo da Vinci (1495-1498), pode ser uma missão impossível. A obra de arte de Milão, na Itália, é um dos raros pontos turísticos dos quais tive acesso a exigir tanto planejamento e organização. A começar pela compra do ingresso, que precisa ser feita antecipadamente - às vezes três meses antes da viagem. A visita tem horário marcado e tempo restrito - apenas 15 minutos.

Tido como um dos destinos obrigatórios para quem visita Milão, o mural do célebre italiano é tão ou mais cortejado que a "Monalisa", do mesmo autor. No entanto, existe uma razão para que a visita à figuração religiosa seja tão restrita, ao contrário da dama misteriosa do Louvre de Paris vista diariamente por milhares de pessoas em meio ao tradicional empurra-empurra.

"A Última Ceia" é uma sobrevivente. Pensar que ela tem mais de 500 anos e é uma das imagens religiosas mais populares já seria motivo suficiente para conhecê-la. Agora imaginar que ela resistiu a vandalismos, bombardeios e ao esquecimento me faz acreditar em milagre e torna a visita uma obrigação para quem vai a Milão. Pela imagem dá para perceber que o afresco não está em sua melhor forma. E isso é compreensível dado ao seu histórico:

1 - Conhecido por suas invencionices e ousadias, ao ser convidado para executar a obra no refeitório do monastério dos padres dominicanos Santa Maria da Graça, entre 1494 e 1498, Leonardo da Vinci resolveu usar a mesma técnica das telas ao invés da comumente utilizada em afrescos. Assim, ele teria melhores efeitos de iluminação e sombra e poderia fazer intervenção enquanto a tinta estivesse fresca. Em contrapartida, a técnica deixou a obra extremamente frágil.

2 - Documentos antigos indicam que poucos anos depois de concluída, mais ou menos em 1517, a pintura já apresentava sinais de degradação. 3 - O fato de estar em um refeitório e exposta constantemente à umidade fez com que a Última Ceia fosse ainda mais danificada. 4 - A obra sofreu atos de vandalismo em 1799. 5 - Por volta de 1812, o refeitório foi utilizado por bombeiros e militares. 6 - Durante a Segunda Guerra Mundial, a Santa Maria da Graça foi bombardeada. Milagrosamente, apenas as paredes laterais do refeitório foram atingidas. Como o telhado foi destruído, a obra ficou a céu aberto por um bom tempo.

Depois de tudo isso, "A Última Ceia" passou por um processo de restauração que durou 20 anos e requer uma série de cuidados.

As visitas são em grupos de mais ou menos 20 pessoas. A venda dos ingressos é feita online (neste link) ou pelo telefone, e os bilhetes voam assim que ficam disponíveis. Acredito que muitas empresas de turismo ou mesmo guias comprem lotes de horários fechados, então sobram poucas opções para os viajantes independentes.

Eu tinha quase desistido quando vi que não havia mais horários disponíveis durante a minha estada em Milão, mesmo eu estando adiantada em mais de dois meses. Olhei o site a cada dois dias até que, enfim, apareceu uma vaguinha. Reza a lenda que você pode arriscar e ir mesmo sem ingresso para tentar aproveitar uma desistência. Mas não confie muito nisto.

Além de planejamento, é preciso cumprir à risca as determinações do lugar, entre elas, chegar com 20 minutos de antecedência para retirar a entrada e aguardar a vez (não se atrase, por favor!).

O grupo entra junto e todos ficam alguns minutos em uma antessala bem climatizada. Esta espera serve como uma espécie de esterilização que julgo ser importante para a conservação da obra (não havia nenhuma informação clara sobre isso no local). A porta para o antigo refeitório abre automaticamente e é permitido admirar a obra durante 15 minutos.

Todos esperam alguns minutos numa antessala até uma porta de vidro se abra A gente fica tão maravilhada com a imagem e, principalmente, por saber que ela resiste a tanto tempo, que quase não restam muitos minutos para contemplar o afresco do lado oposto. Trata-se da "Crucificação" (foto abaixo), realizado por Donato Montorfano em 1495. Nela dá para perceber que se da Vinci tivesse escolhido a técnica de afresco tradicional, certamente "A Última Ceia" estaria um pouco menos abatida.

A visita é rápida, o ingresso fica um pouco salgado na nossa moeda (12 euros), mas saí de lá me sentindo privilegiada. Ver a poucos metros uma obra cheia de história, envolta de mistérios (que o digo o autor do livro "O Código da Vinci") e que nos permite uma série de interpretações é uma das experiências mais bacanas que tive nos últimos tempos. Valeu todo o esforço. Dica de leitura: Livro revela novos mistérios em torno de "A Última Ceia"

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